segunda-feira, 28 de julho de 2008

Impedir a guerra imperialista na América Latina (I)


A partir do inverossímil "ataque terrorista" às torres gêmeas nova-iorquinas, atribuído a fundamentalistas islâmicos, o imperialismo norte-americano demonizou Sadam Hussein e os Talibãs, para poder invadir o Iraque e o Afeganistão, dois países estratégicos na disputa por petróleo, gás e água, algumas das principais riquezas naturais que decidirão a hegemonia mundial. Contra Sadam, inventaram a mentira das armas de destruição em massa, cuja existência já foi desmentida até por organismos da ONU. Contra os Talibãs, a farsa de que eram narcotraficantes. Depois de anos de destruição e extermínio, não há perspectiva de os ianques saírem militarmente vitoriosos desses países, pois seus povos, como o vietnamita, resolveram enfrentar os verdadeiros terroristas.
Mas a crise econômica por que passam os EUA e as necessidades cada vez maiores de reprodução do capital - em meio a crises cíclicas, disputas de mercados, escassez de fontes energéticas e recursos naturais, elevação do preço do petróleo e dos alimentos - empurram o imperialismo para novas aventuras militares. Na "divisão de tarefas" do capital internacional, cabe ainda aos Estados Unidos o papel de gendarme principal de seus interesses no mundo, na América Latina em particular.
Cabe destacar que, ao mencionarmos genericamente a palavra imperialismo, não estamos falando apenas de seu pólo hegemônico (os Estados Unidos), mas de todo o sistema capitalista mundial. Até porque, apesar de a América Latina ser considerada há décadas como o "quintal dos EUA", há na região vários monopólios de capitais majoritariamente originários de outros países, sobretudo da Europa.
Isto é necessário ser compreendido pela esquerda, para afastarmos ilusões de alianças com a burguesia européia ou mesmo com a burguesia dependente latino-americana, notadamente a brasileira e a mexicana. As economias desses países fazem parte do sistema capitalista internacional. O que existe são contradições inter-burguesas e inter-imperialistas que podem circunstancialmente nos favorecer no curto prazo, em algumas questões, como é o caso da política externa brasileira, aparentemente contraditória, que "morde e assopra" os EUA. Aceita liderar as tropas da ONU que ocupam o Haiti, a pedido de Washington, ao mesmo tempo em que ajuda a desmontar a possibilidade de a Colômbia de Uribe conseguir uma guerra contra seus vizinhos.
Como tentaremos aqui expor, os Estados Unidos precisam de uma guerra na América Latina, para recuperar pelas armas seu espaço perdido. Pelo contrário, ao Brasil não interessa essa guerra. Com sua eficiente diplomacia, vai ganhando mercados, ao mesmo tempo em que Lula se apresenta como uma alternativa moderada ao "radicalismo" de Chávez e Evo Morales. Cada vez que nosso Presidente chega a uma capital latino-americana, leva consigo, além do aero-lula, dois ou três aviões cheios de empresários brasileiros, para cobrar o preço da solidariedade: o aproveitamento de oportunidades na busca de mercados.
Em 28 de maio passado, Lula visitou o Haiti pela segunda vez. Da primeira, antes da ocupação, chegou com a seleção brasileira de futebol e, em seguida, mandou nossas tropas. Agora, quatro anos depois, foi buscar os frutos. Desembarcou em Porto Príncipe com dezenas de empresários brasileiros, numa delegação em que se destacavam os executivos das empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correa, as mesmas que transformaram a Venezuela num canteiro de obras, em retribuição a alguns gestos brasileiros simpáticos à revolução bolivariana. Recentemente, Lula anunciou que o Brasil pretende ser o principal parceiro comercial de Cuba, apostando numa improvável restauração capitalista na ilha socialista.
No fim de semana (18 a 20 de julho), Lula, acompanhado de dezenas de empresários brasileiros, radicalizou sua eclética agenda, destinada a pairar acima das divergências regionais. Encontrou-se na Bolívia com Evo Morales e Hugo Chávez, e depois na Colômbia, com Álvaro Uribe e Allan Garcia, outro aliado estadunidense. O feito merecia menção no famoso livro dos recordes, na categoria malabarismo político.
A data da passagem de Lula e Allan Garcia pela Colômbia não foi aleatória. Foram os dois únicos convidados especiais de Uribe no palanque de um desfile militar na cidade de Letícia, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, onde os três assinaram acordos militares (cujo teor ainda não se conhece). O dia escolhido foi a data nacional colombiana (20 de julho), que Uribe aproveitou para convocar amplamente mobilizações em todo o país, exigindo a libertação unilateral dos reféns em poder da guerrilha (esquecendo-se dos presos políticos), de forma a marcar o evento como manifestação contra as FARC. Os jornais brasileiros nos informam que Lula assinou acordos para cooperar com a Colômbia na localização de "grupos armados", inclusive utilizando-se do aparato tecnológico do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia). Jornais colombianos nos informam que Lula foi vender mais armas para o governo colombiano, além dos super-tucanos, aviões militares de fabricação brasileira usados no ataque ao acampamento de Raul Reyes, no Equador. Na delegação brasileira, destacavam-se empresários ligados à indústria bélica.
Quando o governo brasileiro ajuda a inviabilizar a ALCA ou lidera a criação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) e do Conselho Sul-Americano de Defesa Regional devemos saudá-lo, pois isto objetivamente contraria os interesses dos EUA. Mas não esqueçamos o outro lado da questão: o Brasil é um contraponto capitalista ao movimento de integração antiimperialista da região, representado pela ALBA e por outras iniciativas de integração solidária e complementar, lideradas por Hugo Chávez. O capitalismo brasileiro é uma formação social e econômica dependente e associada ao imperialismo, com suas contradições.
Apesar da grande diferença de discursos e práticas políticas, Uribe e Lula são concretamente duas alternativas do capital para a América Latina. No entanto, é óbvio que não os podemos colocar no mesmo saco. Uribe é indiscutivelmente o inimigo principal, do curtíssimo prazo. Se não o derrotarmos, uma onda de retrocesso e repressão pode abater-se sobre nosso continente. Mas a esquerda não pode conciliar e deixar de marcar diferenças com Lula, que governa fundamentalmente para o capital, tanto na política externa como na interna. Sua tarefa principal é "destravar" o capitalismo, custe o que custar, inclusive o meio ambiente, os direitos trabalhistas, a soberania nacional.
Depois de sofrer derrotas na América do Sul, como no caso do fracassado golpe contra Chávez, em 2002, e de ter que concentrar esforços inesperados para enfrentar a surpreendente força da resistência iraquiana, o imperialismo retoma com intensidade a pressão sobre a região, num momento em que vem crescendo o processo de mudanças. E é aí que mora o perigo! Hoje, os olhos, os ouvidos e os canhões norte-americanos voltam-se para a América do Sul, sobretudo para a região andina. Trata-se de tentar, no plano tático, frear o processo de mudanças e, no estratégico, consolidar e expandir o controle sobre as riquezas naturais do continente, que são imensas. Além do petróleo e do gás, a América do Sul tem as maiores reservas de água potável do planeta. Ao norte, a Amazônia; ao sul, um conjunto de grandes rios que se juntam no Aqüífero Guarani.
O imperialismo, por várias razões, já identificou seus inimigos principais na América do Sul: a revolução bolivariana da Venezuela e a revolução democrática e cultural da Bolívia.
O governo venezuelano é inimigo importante, pelo exemplo que inspira processos semelhantes em outros países, aos quais presta efetiva solidariedade política e material; pela defesa de Cuba Socialista e pela parceria com ela; pela contribuição para inviabilizar a ALCA, com a implantação da ALBA; por ter avançado mais em mudanças institucionais e estruturais; por ter resistido a vários golpes (o golpe de Estado, o lockout petroleiro); por ter a economia e as reservas minerais mais importantes da região andina.
Dentre os fatos recentes mais significativos da revolução na Venezuela estão as nacionalizações e estatizações de empresas estratégicas de energia elétrica, comunicações, alimentos, petroleiras, cimenteiras, siderúrgicas. O exemplo mais emblemático foi a reestatização da SIDOR (Siderúrgica de Orinoco), que havia sido privatizada a preço de banana no governo anterior. É como se o Brasil reestatizasse a Vale do Rio Doce!
O diferencial neste caso foi o protagonismo da classe operária. Uma greve havia começado pelo fim da terceirização de mão-de-obra e pela renovação do contrato coletivo de trabalho e acabou, pela força do movimento, acrescentando a palavra de ordem vitoriosa da reestatização da multinacional. Esta vitória deveu-se à luta dos trabalhadores e à direção conseqüente de forças de esquerda, principalmente o PCV (Partido Comunista de Venezuela), na mudança do objetivo principal do movimento e no enfrentamento da traição do então Ministro do Trabalho, que havia inclusive jogado forças policiais para reprimir o movimento. Foi decisivo também o papel de Chávez, que demitiu o Ministro do Trabalho, acabou com a terceirização e decretou, simbolicamente no primeiro de maio, a reestatização da empresa.
Na Bolívia, estamos assistindo a firmeza com que o governo Evo Morales enfrenta, com o respaldo do movimento de massas, o separatismo tentado pela direita, que conta com a ajuda política e material da embaixada norte-americana. Ao invés de curvar-se à pressão da oligarquia local, o governo da Bolívia avança na nacionalização de empresas estratégicas. O próprio Presidente - que declarou recentemente ser o capitalismo o maior inimigo da humanidade – desafia a oposição de direita para disputar um tira-teima político decisivo, no próximo 10 de agosto, ao convocar um referendo revogatório dos mandatos dele próprio e dos nove governadores, dos quais cinco lhe fazem oposição, todos da região conhecida como "Meia Lua". Vencida esta etapa importante, já se anuncia um novo plebiscito, desta vez para legitimar o trabalho da Assembléia Nacional Constituinte, que vem sendo boicotada pela direita.

ATENÇÃO: Amanhã estaremos postando a parte II do texto com o sub-título: "O VERDADEIRO EIXO DO MAL".

Posted on by Residência do Estudante de Guanambi | No comments

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