terça-feira, 26 de agosto de 2008

VIDAS SECAS COMPLETA 70 ANOS


Mais do que para um homem, em um livro, a idade chega como uma conquista. Em literatura, manter-se vivo significa, sobretudo, resistir. Gerações de críticos, leitores atentos, idas e vindas de modas acadêmicas. Para o livro, o tempo é como uma devassa.Não é efeméride pura e simples, portanto, a lembrança dos 70 anos de Vidas Secas. Em assunto e estilo, o mais popular dos romances de Graciliano Ramos [1892-1953] continua eloqüente.

Da história do retirante Fabiano, de sua mulher Sinhá Vitória e dos filhos [o Menino mais velho e o Menino mais novo], que vagam pelo sertão com a cachorra Baleia em busca de trabalho, o tema da opressão do homem pela seca [natural e política] é apenas o alicerce. Para a professora de redação do Cefet-BA Maria da Conceição Pinheiro Araújo, o livro vai além da crítica social e representa uma alternativa ideológica. “Graciliano Ramos nasceu em 1892, quando era recente a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República. Daí a necessidade de substituir idéias ultrapassadas e regimes obsoletos”.

Ainda atual, a crítica ao modelo de sociedade que permite situações de miséria tão concentrada também é visto como um ponto de partida para questões mais amplas por Eliana Mara Chiossi, professora do Instituto de Letras da Ufba. “Cada capítulo do livro pode ser lido como um quadro dessa família retirante. E este tratamento estético alçou os personagens à categoria de personagens universais“. Eliana compara o drama de Fabiano ao de Joseph K., o personagem de O Processo, de Franz Kafka. ”Quando tem que enfrentar a brutalidade do soldado amarelo, Fabiano representa qualquer ser humano que se sente coagido diante de uma autoridade arbitrária e violenta. Quando, nos seus monólogos, tenta entender seu lugar no mundo e conclui que é apenas um bicho, está revelando um sentimento de impotência que se apodera de qualquer um de nós“.

Fora da hegemonia – A impotência que atravessa os personagens também é refletida na linguagem. A jornalista Marilene Felinto, em posfácio ao livro, analisa a fala monossilábica e animalesca de Fabiano como mais um indicativo da sua submissão – social, mas sobretudo cultural. Ao não ter acesso ao ”bem da língua“, o homem estaria uma vez mais à margem da organização social. Maria da Conceição Araújo reconhece que, em Graciliano, é comum que a própria linguagem se torne um tema, aqui conectado ao engajamento político. ”As personagens estão sempre acossadas pela impotência em dominar o real e transmiti-lo através da narrativa. Fabiano, Sinhá Vitória e os meninos não conseguem dominar este que seria o grande valor simbólico: a cultura hegemônica“.

Depois de Ramos, um novo regionalismo

Antes da revolução narrativa que foi o aparecimento de Guimarães Rosa, em 1946, com Sagarana, a literatura regionalista teria em Vidas Secas um primeiro agente de mudança. “Em Vidas Secas, Graciliano Ramos afasta-se da representação estereotipada, que reduzia os nordestinos a coitadinhos, como vítimas que deveriam ser narradas a partir de uma perspectiva paternalista”, diz a professora Eliana Mara, do Instituto de Letras da Ufba.

Ela situa o livro na segunda fase do Modernismo, conhecida também como regionalismo literário. “Ali os escritores estavam empenhados em representar outras regiões do Brasil, além do Rio e São Paulo, e o Nordeste foi eleito como o principal tema”. Sociologia do Nordeste – O tipo de leitura que Graciliano fez da região deixou marcas nas gerações posteriores.

Para Maria da Conceição Araújo, professora de redação do Cefet, “autores baianos da geração seguinte à de Graciliano, como Adonias Filho e Herberto Sales, são devedores seus, tanto pelo estilo narrativo quanto pela sociologia do Nordeste que fazem“. Eliana Mara vê no adensamento psicológico um fator determinante. ”Penso que ele liberou muitos autores de uma pressão antiga na literatura brasileira, a de falar da sociedade, dos temas que descrevessem o Brasil. Com um narrador ensimesmado, Graciliano rompeu com uma narrativa sentimentalista e de denúncia“, avalia.

Outro influenciado é o escritor e poeta baiano João Filho. Ele aponta o estilo preciso do texto, ”sem nenhuma gordura“, como a fonte de seu apreço. ”Não me atraem muito os temas, mas em estilística considero Graciliano um dos maiores do Brasil no século 20, senão o maior“.

Posted on by Residência do Estudante de Guanambi | No comments

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