terça-feira, 29 de abril de 2008

A mulher trabalhadora é o negro de saias


No final da década de 80, a mulher recebia 54% do salário homem. Significa dizer que, no mercado de trabalho, duas mulheres valiam pouco mais do que um homem. Melhorou: hoje, são 65%. Ou seja, aproximadamente uma mulher e meia equivalem a um homem. Até mesmo nas profissões mais bem remuneradas, com exigência de diploma de ensino superior, ambientes supostamente mais arejados, a defasagem é expressiva. Mais precisamente, segundo Dieese/Seade, 30%. Se, no Brasil, o trabalhador, apesar de todos os avanços, ganha, no geral, mal, está cercado pelo desemprego e subemprego, desfruta de uma indigente rede de proteção social, os grupos vulneráveis são ainda mais pisoteados. Pela medida dos salários, a mulher, apesar de ter, hoje, escolaridade mais elevada do que os homens, é ainda vista como um ser inferior. Exatamente como os negros.
O Brasil gosta de se imaginar uma nação sem racismo. Não é o que mostram os números do mercado de trabalho, a verdadeira prova de quem é valorizado ou não numa sociedade, via salário ou nível de emprego. Com olho nas questões de gênero e raça, o Dieese analisou os salários e nível de emprego das cinco regiões metropolitanas do país, além do Distrito Federal ( São Paulo, Salvador, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre). A maior taxa de desemprego ocorreu em Salvador, apresentada como a capital do orgulho negro: 45% maior do que a dos brancos. São Paulo não fica muito longe: 41%. Melhor posição está Distrito Federal: 17%. Tradução: é mais provável um negro do que um branco ficar desempregado, mesmo que tenha o mesmo nível de escolaridade. Quando se analisam os rendimentos, vemos como o negro se aproxima da discriminação contra a mulher. De acordo com o Dieese, o salário médio de um negro é, em São Paulo, aproximadamente R$ 510. Os brancos ganham nada menos do que o dobro. Em essência, para o mercado de trabalho dois negros valem um branco. Na lógica da fragilidade, a hierarquia coloca no topo, pela ordem, homem e mulher brancos e, depois, homem e mulher negros. A mulher negra sofre, portanto, por ser mulher e por ser negra. Uma mulher negra, em São Paulo, ganha por mês R$ 400. Na fria tradução comercial, duas e meia mulheres negras equivalem a um homem branco. Esses números da discriminação ajudam a entender uma das mais devastadoras chagas nacionais: a má distribuição de renda.
Estatísticas internacionais costumam colocar o Brasil como um dos campeões em má distribuição de renda. Os economistas debatem sobre as várias razões para a vitória brasileira nesse campeonato como, por exemplo, a inflação que corroeu os salários, a baixa escolaridade, o modelo de industrialização, a incompetência dos investimentos sociais dos governos, o auxilio aos mais ricos com dinheiro público, e assim por diante. Em maior ou menor grau, todos esses fatores devem mesmo pesar. Pouco se comenta, porém, sobre o fator preconceito como um dos geradores do ciclo vicioso da miséria e, portanto, da má distribuição de renda.
Obviedade: se somarmos mulheres e negros temos a imensa maioria da população brasileira. Logo, se eles são discriminados no salário e emprego, acabam por afetar a distribuição de renda. Se pouco conseguimos avançar em proteção social do trabalhador no Brasil, conseguimos menos ainda nas categorias mais vulneráveis como negros, mulheres e, especialmente, crianças. Melhor prova dessa falta de proteção foi o censo escolar, divulgado semana passada, pela Folha Online: apenas 2% (repetindo, 2%) das escolas públicas têm acesso à Internet. É na escola pública onde se nutre a discriminação que vai perdurar por toda a vida.
Posted on by Residência do Estudante de Guanambi | No comments

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